Os “Sete Pecados Corporativos” – Aprendizados da Pandemia

por Victor Bastos e Benedito Villela

O mundo corporativo é um universo em si mesmo, com suas regras, dogmas e crendices. E por que não dizer, seus pecados e virtudes? E todos eles foram postos a prova em 2020.Aqui listamos os sete pecados mais comuns que se vive no dia a dia corporativo e de certa forma foram potencializados na pandemia, especialmente de quem faz parte de departamentos jurídicos ou escritórios de advocacia empresariais.

TUDO É URGENTE!

O perigo de tudo virar urgente! Um dos maiores desafios corporativos hoje é separar o que é: – urgente – necessário – prioridade – comum. Conversando com diversos gestores corporativos, arriscamos a dizer que existe uma banalização do conceito de urgente. Ainda não inventaram uma fórmula mais eficiente para um trabalho bem feito do que qualidade = planejamento + execução. Trabalhos feitos a toque de caixa certamente não terão a qualidade esperada. Dedicar tempo demais ao planejamento prejudicará a execução e não resultará em um trabalho de qualidade. E quando a urgência vem acompanhada das expressões: – é para ontem! – risco de paralisar a operação! – só dependemos de você para fechar o negócio! Liguem o sinal de alerta em grau máximo. Certamente em alguma etapa do processo houve uma demora excessiva ou falha de planejamento e o jurídico foi escolhido como alvo para tirar o atraso. Ser parceiro do negócio deve ser missão do jurídico e exatamente por isso, quanto mais essa parceria for intensificada, menor será o número de surpresas e atrasos, pois a demanda será acompanhada desde o início. Carimbar uma demanda de urgente deve ser a exceção e tratada como prioridade por todos. Se for a regra, esqueçam o conceito de qualidade, pois ele acaba de pedir demissão. Se tudo é urgente, nada é urgente. Urgência excessiva geralmente é sinal de ansiedade mal controlada.

CRUZADA PELO CULPADO!

Certamente a cruzada pelo culpado é um dos grandes drenos de energia e tempo em qualquer corporação e merece figurar entre os pecados capitais. Ficou famosa a teoria da culpabilidade de Homer Simpson: “Se a culpa é minha, eu ponho em quem eu quiser”. Esse dogma, oriundo de um programa de humor é mais levado a sério do que deveria. Empresas e departamentos que adotam a “terrorcracia” certamente tiveram muitas dificuldades no home office, em que a confiança é muito mais importante do que a perseguição. A preocupação em punir, muito mais do que em recompensar, gera o medo de se tentar qualquer coisa nova, ou mesmo de se desenvolver os comportamentos tão incensados pelas teorias de recursos humanos modernas, como o empoderamento ou o sentimento de dono. Não há como se sentir dono se a cadeira da criatividade se tornar ejetora a qualquer momento.

EXCESSO DE REUNIÕES!

Outro pecado corporativo potencializado pela pandemia é o excesso de reuniões. Sempre nos incomodou expressões como: agenda caótica, pulo de reunião em reunião ou então o mantra corporativo: o desafio é conciliar nossas agendas, como se fosse uma escalada ao Everest. Qual seria o conceito de reunião? No mundo presencial, seria colocar pessoas em volta de uma mesa para debater um ou mais temas importantes. No virtual é semelhante, só que em frente ao computador. Mas em ambos os modelos, é um momento nobre e que deve ser muito mais valorizado. Convidar alguém para uma reunião significa que sua opinião é importante e será ouvida por todos. E porque a reunião hoje é tão combatida? Listamos alguns motivos: – Convocação sem compartilhamento de temas ou materiais, o que impede uma preparação adequada – Convocação de áreas apenas para não ser acusado de omissão – Limitação de horário. Reunião deve ter horário para começar e principalmente para terminar – Participantes presentes de corpo e espírito. Passar a reunião inteira no celular, respondendo e-mail e trocando mensagens apenas demonstra que é possível fazer mais de uma atividade com a mesma falta de qualidade e atenção – Reunião visa colocar todos em volta da mesa em busca de objetivo comum e não aplicar uma pena de imobilização na cadeira para os participantes Valorizar a essência da reunião e sua importância, esse é o desafio! Não à toa foi cunhado o meme: sobrevivi à outra reunião que poderia ter sido um e-mail.

A REGRA É CLARA!

Se as reuniões em excesso são um mal, mal ainda maior é jogar um jogo em que as regras não são claras. Empresas e departamentos que não possuem regras claras, ou simplesmente despejam as políticas globais mal traduzidas em cima dos colaboradores terão zero chance de compliance, especialmente se não houver um treinamento adequado e constante, e mais do que isso, se não for um processo dinâmico que vai adaptando as políticas para as realidades locais. Se novas tecnologias e novas leis estão mudando o mundo, as empresas e a vida das pessoas a todo o tempo, porque um manual de conduta de uma instituição precisa ser estanque? Investir em conscientização e comunicação efetiva, aplicando as regras para todos os escalões permitirá saber exatamente o que é certo e errado, sem precisar consultar o VAR a cada possível irregularidade detectada.

SEMPRE FOI ASSIM!

Quantos processos, procedimentos e fluxos irracionais perpetuam-se nas empresas e escritórios simplesmente por comodismo ou falta de iniciativa em propor algo diferente? Aproveitando que a pandemia trouxe novo significado às rotinas de trabalho e o conceito de inovação entrou de vez no debate, convidamos a reflexão sobre alguns pontos: – Envio de e-mails por puro piloto automático – Alimentação de planilhas que se constitui um fim em si mesmo, pois não geram informações estratégicas – Arquivos físicos com tantos documentos que somente poderão gerar material de análise para os arqueólogos do futuro – Cláusulas contratuais mais antigas do que o membro com mais tempo de casa – Preenchimento de formulários com tantos campos que fazem você imaginar o grau de sadismo do autor na sua criação. Alguém já passou por isso? Acreditamos que sim. Inovar não é necessariamente promover uma grande mudança, alterando todo o status quo vigente. Existem pequenas mudanças que geram muita agilidade, eficiência, satisfação e com certeza, felicidade! Troquemos então o sempre foi assim por no passado distante era assim e sejamos felizes, afinal podemos ser mais que os cães de Pavlov.

TECNOLOGIA NÃO RESOLVE TUDO!

Já que falamos de inovação, faz sentido falar da total confiança em novas tecnologias, e em outras mais clássicas para tentar ganhar efetividade ou pelo menos modernizar as relações de trabalho. A tecnologia tem ajudado na travessia da pandemia mas, ao mesmo tempo, confiar cegamente nela acaba muitas vezes por ser mais prejudicial do que benéfico, ainda que pareça paradoxal se comparado ao “sempre foi assim”. Mas não queremos inovação? Nem sempre. Nos casos em que é possível em razão do isolamento, vamos relembrar a efetividade de um olho no olho, uma conversa presencial, pois existem coisas que se perdem ao se usar a tecnologia. Um exemplo é o uso de emojis nos e-mails e comunicações instantâneas: esse sorriso é sarcástico? Esse rostinho apaixonado é assédio ou é simpático? O que quer dizer essa figurinha? Ao se olhar nos olhos do interlocutor, é muito mais fácil perceber o humor, a atenção e até mesmo a abordagem que se deve ter para se conseguir o resultado. Ao invés de mandar um e-mail, levante e vá até a pessoa. Não deu? Faça uma chamada por vídeo! A tecnologia não ajuda, ligue. E se ainda for necessário o e-mail, mande depois de falar, e não antes, senão fica apenas deselegante. E quando se fala em inovação, nunca pode se esquecer de combinar com o zagueiro antes. Decidir implantar uma ferramenta que resolverá todos os problemas e fará o departamento ser moderno pode ser muito bom. Se esquecer de ouvir as pessoas e envolver os clientes internos, o Jurídico corre o risco de se tornar a banda que tocará sozinha até o naufrágio da ferramenta, semelhante ao Titanic.

ESQUIZOFRENIA CORPORATIVA!

Nenhum desses pecados, contudo, é pior do que a Esquizofrenia Corporativa, que nada mais é do que quando a corporação prega determinado comportamento, espalhando valores e ideais por meio da sua alta gestão, mas não só tolera como inclusive endossa comportamentos diametralmente opostos àqueles que propaga, especialmente quando vindos dos mesmos executivos que ajudaram a disseminar as novas ideias e são propagandas dos velhos costumes. Parece coisa de louco. E é mesmo. São empresas que tem como produto final coisas divertidas e lúdicas, mas reprimem os funcionários por se divertir com os mesmos produtos, ou mesmo altos investimentos para palestrantes e consultores falarem sobre inovação e futurologia, mas barram qualquer iniciativa interna nesse sentido. Ou seja, é uma combinação dos outros seis pecados. E com isso tudo, tem organização que não entende porque o turnover é grande, as entrevistas de saída são catastróficas e diversos profissionais desistem no meio do processo. Por mais batido do que seja, nunca foi tão necessário investir em cultura organizacional, para que se tenha um verdadeiro DNA corporativo, reconhecido por todos na instituição.

Enfim, todos nós pecamos em algum momento de nossas vidas corporativas. Mas o tamanho da penitência deverá ser proporcional à gravidade do pecado. Que tal cada um de nós retirarmos os aprendizados deste momento tão difícil e caminharmos em direção à luz das novas práticas corporativas, trocando penitências diárias por pílulas de eficiência, racionalidade, coerência, agilidade, estabelecendo relacionamentos genuínos e praticando o verdadeiro ganha-ganha? Fica aqui o nosso convite!

VEJA TAMBÉM