Gian Franco

O departamento jurídico precisa gerar valor?

Por Gianfranco Fogaccia Cinelli, diretor jurídico da Yara Brasil Fertilizantes

Estávamos emergindo lentamente de uma crise político-econômica, enquanto mergulhamos em uma pandemia, cujas consequências ainda não podemos estimar. Fato que ainda continuamos navegando um cenário de incertezas. Com este pano de fundo, todas as empresas estão tentando se ajustar e todos os departamentos são chamados a contribuir, inclusive o Departamento Jurídico.

Como será a resposta do seu Departamento Jurídico? O executivo jurídico conseguirá mostrar o valor gerado pela equipe ou será visto apenas como centro de custos, com sérios riscos de ser drasticamente enxugado ou mesmo extinto?

Para que a resposta às questões acima seja efetiva e atenda as expectativas da alta gestão, ela deverá ser rápida, direta ao ponto e estar muito bem embasada em fatos e dados, e estes últimos deverão estar disponíveis e ser claramente demonstrados por meio de suas principais ferramentas de gestão.

A efetividade e o impacto da resposta serão diretamente proporcionais à qualidade da informação coletada e ao domínio do gestor destas ferramentas. Ou seja, ter conhecimento de todas as peças que compõem a engrenagem e saber como operá-las é tarefa essencial.

Nesse contexto, para se ter uma gestão eficiente de um departamento jurídico, que gere valor à empresa, o executivo jurídico precisará estar atento ao menos em três principais aspectos:

Contingenciamento

compreensão dos impactos econômicos e financeiros das decisões e orientações jurídicas, pois é um dos fatores que mais contribuem para o sucesso do departamento e dos escritórios de advocacia parceiros. 

Desta forma, a gestão estruturada do departamento jurídico e dos instrumentos que tem a seu dispor garantirá o atingimento dos resultados e a preservação do patrimônio da empresa, e poderá ser até uma ferramenta para maximizar as margens da empresa. Aplicando algumas regras de gestão, a área jurídica deixará de ser vista como mero centro de custos, passando a ser encarada como área verdadeiramente geradora de valor.

Na prática, faz-se necessário o planejamento e a análise financeira de todos os temas legais, especialmente aqueles que mais estão sofrendo impacto com a crise. Monitorar desde o orçamento do departamento, as despesas internas e externas, até o passivo, o contingenciamento legal e seus respectivos impactos nos resultados. Todo este controle ajudará na geração de relatórios, que permitirão que o gestor jurídico entregue o resultado esperado e evite surpresas. E serão de grande auxílio no planejamento do próximo exercício e na elaboração do plano de ações com foco em melhorias. Em suma, o correto, pronto e eficiente provisionamento das contingência poderá permitir, a depender da situação dos passivos da empresa, até mesmo liberar recursos, ou seja, caixa para melhor ser empregado no enfrentamento da crise.

Indicadores de Desempenho

O segundo aspecto relevante é ter em mãos os corretos Indicadores de Desempenho, pois possuem um papel de protagonismo na gestão jurídica, fornecendo dados estruturados e fundamentais no embasamento do processo de tomada de decisões.

Uma máxima do mundo corporativo reza que se não é medido não pode ser gerenciado. Se você busca excelência na gestão, e quer deixar de ser um “bombeiro” jurídico, apenas apagando os “incêndios” do dia-a-dia, certamente o trabalho de confecção e acompanhamento de Indicadores de Desempenho deve fazer parte de sua rotina.

Os Key Perfomance Indicators (KPIs) devem ser considerados por todos e não apenas para as grandes empresas. Trata-se de um valor quantitativo que possibilita ao gestor medir o que está sendo executado e gerenciar de forma adequada para o atingimento das metas planejadas.

Cuidado ao sair medindo tudo, no entanto. Como o próprio nome sugere, você deverá medir algo útil, relevante e que lhe ajude na tomada de decisões. Por isso, invista tempo na definição de metas que estejam alinhadas com a estratégia e a realidade da sua organização. E eleja poucos indicadores para acompanhar o atingimento de tais metas.

Dica importante: faça revisão anual dos indicadores e verifique com os demais executivos se seus indicadores estão alinhados com os objetivos estratégicos da empresa.

Ética e Governança Corporativa

O último aspecto chave para gerar valor pode parecer em um primeiro momento conflitante com os demais, pois foca na governança corporativa e proteção da reputação da empresa a longo prazo. Ou seja, o executivo jurídico deverá estar atento aos “atalhos” e aos benefícios de curtíssimo prazo que podem trazer um alto preço no médio e no longo prazo, comprometendo até mesmo a continuidade da empresa.

Assim, para ajudar a organização a alcançar seus objetivos, o advogado in-house utilizará sua formação jurídica para garantir o cumprimento das regras internas e da legislação, com a compreensão do ambiente regulatório, sempre promovendo as boas práticas de ética governança corporativa.

Desta forma, avançará na gestão jurídica de forma sustentável, valendo-se de todos os seus recursos para mapear e mitigar os riscos jurídicos da organização nestes novos cenários. Muitas empresas, especialmente neste momento de crise, estão tomando “atalhos”, algumas vezes até defensáveis sob o ponto de vista estritamente legal, mas que violam a ética, se aproveitando da situação para tirar vantagem. Estas empresas estarão arruinando sua imagem social. Sabemos que um dia a crise passará e tal comportamento cobrará seu preço, possivelmente em um futuro próximo.

Ao estar atento à governança e ao compliance garante-se a perenidade da organização, que sairá da crise mais fortalecida pela tomada das decisões corretas. Além disso, o gestor jurídico estará atento às oportunidades oriundas das novas leis e da própria crise. Com decisões orientadas ao resultado, dentro dos limites legais e éticos, ele poderá capturar resultado para a sua empresa, além de orientar, treinar e monitorar seus pares e demais executivos. Independentemente do cenário econômico, sua preocupação com os custos e com a performance da empresa será sempre genuína.

O departamento jurídico deve gerar lucro?

Aqui vale abrir um parêntese sobre a polêmica questão, se além de gerar valor, o departamento jurídico deve gerar lucro. Para um CFO atento isso é música e a matemática é relativamente simples: corte seus custos e canalize esforços em maximizar receitas.

eficiente controle de custos virá do trabalho preventivo para evitar gastos desnecessários, ou atuando de forma corretiva, cortando e eliminando gastos já orçados. Já para gerar lucro você poderá recuperar recursos para a organização (por exemplo, via recuperação de créditos fiscais, cobrança judicial de devedores, pleitos em contratos etc.) e avaliar reverter provisões constituídas, sempre de forma tecnicamente embasada, em conformidade com as regras contábeis (por exemplo eliminando ou reduzindo o risco que originou o contingenciamento). Todas estas são formas de aumentar diretamente o resultado da empresa. Ao agir desta maneira, você fará sua contribuição para aumentar a receita e será visto como centro de lucro e não apenas centro de custos.

Foco na estratégia de gestão

Por fim, podemos concluir que a gestão jurídica eficiente é o caminho para geração e demonstração de valor do departamento jurídico, uma vez que suportará a organização a capturar oportunidades, compartilhará informações relevantes e fornecerá uma visão de longo prazo, mitigando riscos e oferecendo alternativas ao negócio.

Com isso, mãos à obra, prepare seu plano de ação, defina os indicadores pertinentes, discuta com seus pares e aja proativamente. Caso contrário, continuará a ser visto apenas como área de suporte e um centro de custos. Ao investir na profissionalização da gestão, agregará valor à sua organização, posicionando o jurídico como área estratégica da empresa.

Fonte: https://analise.com

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